Estela sem Deus, de Jeferson Tenório
O livro mostra o cotidiano de muitas famílias brasileiras, e por isso é intenso. É sobre a luta diária dessas famílias por dignidade, por sobrevivência, por alimento, trabalho, saúde...
A palavra que melhor define a leitura de Estela sem Deus, de Jeferson Tenório, na minha opinião, é sensibilidade. A sensibilidade da escrita é fundamental para que o leitor abrace Estela incondicionalmente enquanto os temas reais e sofridos - presentes na vida de muita gente - ganham a trama.
Já a historia pode ser definida por várias outras palavras. Abandono (de vários tipos), saudades, amargura, luta, descobertas, tristeza e amor são algumas que eu citaria numa conversa inicial.
O livro mostra o cotidiano de muitas famílias brasileiras, e por isso é intenso. É sobre a luta diária dessas famílias por dignidade, por sobrevivência, por alimento, trabalho, saúde, por superação e também por amor.
Conhecemos Estela aos 13 anos e a acompanhamos até as vésperas de seus 16. Ela quer ser filósofa. Vivenciamos as reviravoltas na sua vida e também na vida de seu irmão Antonio e de sua mãe Irene. Outras figuras são apresentadas ao longo do livro, e todas, sem exceção, são importantes para compreendermos tudo o que Estela sem Deus tem a nos oferecer.
Tenho dificuldade de resenhar alguns livros sem dar muitos spoilers, e esse é um deles. É uma leitura muita potente, assim como Estela. Participar do despertar de outras pessoas pode trazer novas descobertas para nossas vidas, e é isso que Jeferson Tenório faz com o leitor de Estela sem Deus.
Em alguns momentos esse livro me fez lembrar de “Eu sei por que o pássaro canta na gaiola”, de Maya Angelou. O tempo e o espaço vivido pelas personagens são diferentes (Estela e Maya, 1990 e 1920, Brasil e EUA respectivamente), mas muitos pontos em comum podem ser encontrados.
A luta que elas travaram na vida foi potencializada pela cor da pele e pela falta de dinheiro no bolso, o que me faz lembrar, também, da expressão “Dororidade”, tão bem criada pela professora e escritora Vilma Piedade (tem um livro com esse título). Segundo Vilma, a ‘dororidade’ surgiu para cobrir o espaço que a expressão ‘sororidade’ não foi capaz de cobrir: a pretitude, a negritude. Dororidade carrega a dor da mulher preta, a dor que só pode ser sentida a depender da cor da pele.
Abaixo replico um trecho de cada livro, a começar por Estela sem Deus, e comento que a frase escrita por Maya para 1920 é totalmente aplicável hoje, nos anos 2020. Melhoramos, mas ainda há um universo a melhorar.
“Eu me chateava um pouco por não conseguir fazer muitos amigos, além de atrair poucos olhares, e demorei um tanto para entender que os meninos talvez não se aproximassem muito de mim por causa da minha cor preta e do meu cabelo crespo. Não tinha construído aquilo que mais tarde eu aprenderia a chamar de autoestima, por isso comecei a ter inveja das meninas brancas, que não tinham problemas com o cabelo delas.”.
“A mulher Negra é agredida nos anos jovens por todas essas forças comuns da natureza ao mesmo tempo que fica presa no fogo cruzado triplo do preconceito masculino, do ódio branco ilógico e da falta de poder Negro.”.
Adorei conhecer Jeferson Tenório. Incrível.